quinta-feira, 9 de maio de 2013

As Joias da Acauã

Texto vencedor do I Prêmio Luiz Câmara Cascudo, promovido pela Academia Potiguar DeMolay de Artes (APDA), escrito pelo irmão Lucas Richter.

Em meados do século XVIII havia uma fortaleza, localizada às margens do rio Seridó, conhecida como Acauã, que serviu de reduto para os grandes fazendeiros da região. A criação de gado era a forma lucrativa da localidade, assim muitos vaqueiros trabalhavam nas redondezas. Em torno da fortaleza, foram construídas as primeiras habitações, mas somente após a morte do vaqueiro Zé Benfeitor, foi que Acauã elevou-se à categoria de vila. Zé Benfeitor, casado e pai de um filho, era vaqueiro na fazenda do Coronel Martiniano, um pacato e honesto administrador. A cada “invernada”, período que caracterizava a estação chuvosa no semi-árido, o Coronel Martiniano presenteava seus trabalhadores com pedras preciosas de origem portuguesa, pedras que Zé Benfeitor guardava com apreço. A terra era árida e muitos partiam para tentar a sorte em outras regiões, mas Zé Benfeitor nunca deixou a localidade, sendo o vaqueiro mais antigo da fazenda do Coronel Martiniano.
            Um dia, ao levar o gado pelo leito do rio, Zé Benfeitor parou para repousar na sombra de um juazeiro. O silêncio do mato seco foi quebrado por fortes pisadas, foi quando Zé Benfeitor percebeu que um animal feroz o observava. Desarmado e sozinho, Zé Benfeitor não tinha chances contra a fera. Devoto de santa Ana, fez-lhe uma promessa para que pudesse escapar com vida daquela situação, em troca construiria uma capela em homenagem à santa. Repentinamente, a fera desapareceu e Zé Benfeitor voltou para sua casa onde relatou o acontecido a sua esposa. Certo de que tivera uma nova oportunidade de viver, ele estava disposto a cumprir com sua promessa.
            Alguns meses após o ocorrido, a seca já predominava e a construção de uma capela custava caro, mas Zé Benfeitor não perdia a esperança e estava convicto que conseguiria cumprir o que tinha prometido à santa. Porém, ele foi acometido pela tuberculose e passou dias acamado. Na época, a medicina não era avançada e a doença retirava suas últimas forças. Zé Benfeitor, temendo pela morte, conversou com seu filho sobre alguns desejos que tinha e lhe entregou sete joias, que havia ganhado do Coronel Martiniano em anos de trabalho na fazenda. A venda das joias deveria ajudar toda a comunidade, através da mente de um homem de bem. Dias depois, Zé Benfeitor faleceu e seu filho determinou atender os objetivos que o pai almejava.
            A primeira joia ele deu a sua mãe, viúva de Zé Benfeitor, para ajudar no sustento da casa. Sem o responsável pelo lar, ela se juntou com outras mulheres da localidade e começaram a bordar tecidos.(REFERÊNCIA AOS BORDADOS DO SERIDÓ) Em pouco tempo, passaram a vender os melhores bordados da região. Este ato ele denominou de AMOR FILIAL, pois seu pai sempre lhe dizia que um homem de bem deve amar e amparar sua família.
            A segunda joia ele deu ao padre da localidade para que pudesse ser construída a capela em honra a santa Ana, cumprindo a promessa que seu pai realizara, este ato ele denominou de REVERÊNCIA PELAS COISAS SAGRADAS, pois seu pai sempre lhe dizia que um homem de bem deveria honrar à Deus. (REFERÊNCIA A CATEDRAL DE SANTA ANA)
            Com a terceira joia ele adquiriu algumas cabeças de gado do Coronel Martiniano e distribuiu entre os amigos de seu pai, para ajudar no sustento de suas famílias. Ato que ele denominou de CORTESIA, pois Zé Benfeitor sempre lhe falava que um homem de bem deve ser cortêz consigo e com os outros. Em pouco tempo a localidade passou a fornecer a melhor carne de sol e o melhor queijo da região. (REFERÊNCIA A CARNE DE SOL DE CAICÓ)
            Com a quarta joia ele realizou um sonho de criança: construiu um pequeno castelo. Passou a morar lá com sua mãe e dividia os aposentos com seus amigos que não tinham moradia, um ato que ele chamava de COMPANHEIRISMO. (REFERÊNCIA AO CASTELO DE ENGADY)
            Com a quinta e sexta joia ele construiu um grande açude, uma necessidade daquela região árida. O açude foi o último pedido de seu pai, era um bem que supriria a falta de água nos tempos de estiagem. Feito isto, ele percebeu que havia desenvolvido as virtudes da FIDELIDADE e PUREZA, pois foi fiel ao pedido de seu pai com pensamentos e atitudes puras. (REFERÊNCIA AO AÇUDE ITANS)
            Com a última joia ele construiu um grupo escolar para que as crianças pudessem estudar. Seu pai sempre lhe dizia que investir no futuro é investir nas crianças, ele sabia que estava praticando um tipo de PATRIOTISMO. (REFERÊNCIA AO GRUPO ESCOLAR SENADOR GUERRA)
            Dessa forma, Acauã começou a deixar seu aspecto de pequena vila para ser uma localidade conhecida na região. A pequena vila cresceu e conheceu novos personagens de sua história e a figura de Zé Benfeitor e seu filho, infelizmente, ficaram perdidas no passado.
            Muitos anos depois, um conhecido professor de história e também colecionador de antiguidades, conseguiu reunir sete joias portuguesas, datadas do século XVIII, que ele associou aos tempos do surgimento da cidade de Acauã. Eram artigos que ele estudava e guardava cuidadosamente, porque não sabia como foi o destino delas ao longo destes anos. Não havia documentação sobre a existência de Zé Benfeitor e seu filho, muito menos da relação das joias com a formação da cidade, tudo era considerado uma lenda, apenas contada de geração em geração.
             Seu nome era Francisco (REFERÊNCIA A TIO SANTIAGO) e desempenhava uma grande atividade social na cidade. Maçom e defensor da juventude, o professor Francisco tomou conhecimento no meio maçônico que chegaria, em breve, uma ordem juvenil na cidade, até então inédita no país. Ele conheceu a ritualística da referida ordem e percebeu que seu símbolo era uma coroa com sete joias. Sabendo da importância daquela nova instituição à cidade, ele presenteou a ordem com as sete joias históricas, numa analogia entre o antigo e o novo. Não sabia ele que as joias que antes fundamentaram a formação da cidade, agora, ajudavam a formar um Capítulo DeMolay.
            O Capítulo, nome dado ao núcleo da nova ordem, ainda não possuía nome e como a coroa é símbolo de realeza, a comunidade maçônica denominou a instituição de Capítulo do Príncipe (REFERÊNCIA AO CAPÍTULO PRÍNCIPE DO SERIDÓ), uma associação entre a coroa da juventude e os jovens que a carregam.
            Anos se passaram e as joias que serviram de base para a construção da cidade de Acauã continuam sendo guardadas por jovens demolays. Elas estão lá, ornamentando a coroa da juventude do Capítulo do Príncipe e ninguém tem conhecimento do que elas representaram no passado. O valor histórico destas joias pode até ser considerado, mas nada é superior do que o investimento em uma juventude pura e varonil.

(Lucas Richter)